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Crônicas fora de hora – V: “Lágrimas do Rio Negro”

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Estive em Manaus em 2013, a pedido do amigo Osmir Nunes, para representar a Associação Brasileira de Divulgação Científica (Abradic) na comissão julgadora de um prêmio estadual na área. Por razões profissionais e pelo pouco tempo disponível, conheci pouco da cidade, mas foi o suficiente para qualificá-la como impressionante: por estar encravada numa imensa floresta, por sua forte ligação e dependência em relação a um rio monumental, assim como por sua marcante pobreza, em meio a recursos de aparentemente infinita riqueza natural e cultural. A imagem do Rio Negro, enorme, imponente, está até hoje gravada em minha retina, em minha memória, com muita nitidez e muito sentimento – ver aquele ‘marzão’ (assim me referi a ele à época, como uma criança ou adulto do interior que visse o mar pela primeira vez) foi uma das maiores emoções de minha vida. Águas escuras, águas de vida, águas que hoje são também lágrimas... Ó mar amargo, quanto do seu caudal são lágrimas de Manaus! Lágrimas que na ver

Crônicas fora de hora – IV: “Um novo ano de boas surpresas”

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Quanto do que planejamos ou almejamos para 2020 se realizou? Talvez muito pouco, até porque não contávamos com a grande surpresa do ano: a pandemia. Ainda assim, se fizermos um esforço para nos lembrarmos dos anos anteriores, é bem possível que, mesmo sem algo tão impactante a nos modificar a rotina, percebamos que igualmente não tivemos todos os nossos desejos e objetivos satisfeitos. De uns tempos para cá, por recomendação de uma amiga, mais esotérica do que eu, todo final de ano tenho escrito uma carta, para mim mesmo, a ser aberta doze meses depois, com uma espécie de lista de desejos, porém escrevendo, em agradecimento a Deus, como se tudo já tivesse sido realizado. Na primeira, que eu me lembre, inseri muitas metas específicas, do tipo ‘aprender a montar aplicativos’ ou ‘voltar a estudar italiano’ – resultado: muita coisa deixei de concretizar. No ano seguinte, priorizei objetivos mais genéricos e/ou de manutenção do que já vinha ocorrendo, como ‘estar com a saúde em dia’ – o índ

Teremos, afinal, uma Revolução de 2020?

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  No conto “Verde-esmeralda” (de minha autoria, a ser publicado no ano que vem, pela série Ecos de 2020 ), seu protagonista, Paulo, viaja no tempo – mais precisamente pouco mais de doze anos rumo ao futuro – e se depara com um livro que teria sido por ele mesmo escrito, intitulado Revolução de 2020: o renascimento após a tragédia , em cuja introdução se lê:   Os primeiros meses de 2020 foram sacudidos por um fato inusitado, e sobretudo estrondoso; algo que não acontecia havia um século, mas nunca ocorrera em um contexto de tamanha conexão entre os países e as pessoas. A pandemia de covid-19, causada pelo vírus Sars-CoV-2, então chamado de novo coronavírus, iniciada na China ao final do ano anterior, se espalhou de tal modo que parou o mundo, instaurando quarentenas de confinamentos parciais ou totais em centenas de países. E muito pior: matando milhões de pessoas ao redor do globo, não poupando pobres nem ricos, mas selecionando suas vítimas de modo desleal, traiçoeiro, como um vír

Crônicas fora de hora – III: “Um Natal de novos significados”

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A memória nos trai, ou no mínimo reconstrói os fatos sob o olhar daquilo que nos marcou, ou do que passamos a ser ao longo do tempo, ou do que somos hoje. Confesso que não tenho lembranças claras de muitos Natais, mas sem dúvida um dos que melhor guardo na memória aconteceu no início dos anos 80, eu ainda uma tenra criança. Era comum, àquela época, após cruzarmos a meia-noite em casa de parentes, regressarmos ao lar ansiosos – eu e meus irmãos, embora não me recorde se Leandro, o mais novo, já era nascido – para abrirmos os presentes deixados por Papai Noel junto à nossa árvore de Natal. Naquele ano, eu pedira ao bom velhinho brinquedos um tanto semelhantes aos atuais ‘transformers’, claro, com as limitações da época – enfim, algo do tipo caminhão que vira helicóptero, avião que vira barco; se não me engano dois. Chegando em casa, pacotes abertos, entre eles não estavam os presentes desejados. O que ganhei foi uma coleção de bichinhos de plástico na cor laranja, representando animais t

Crônicas fora de hora – II: “O falso dilema da vacina”

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Você é contra o fumo ou, mais especificamente, contra o cigarro? É bem possível que sim – e acredito que mesmo grande parte dos fumantes concordaria que o ideal seria não fumar. Mas, mesmo contra o fumo, você se posicionaria contra o direito de fumar? Talvez não, ou seja, por mais que lamente o fato de alguém (sobretudo um ente querido) fumar, ainda assim não necessariamente o proibiria – mesmo se pudesse – de praticar esse ato, por mais maléfico que seja. Um raciocínio similar pode até ser aplicado a um tema ainda mais delicado: o aborto. É possível ao mesmo tempo ser contra o aborto e favorável à sua legalização, até porque, verdade seja dita, ele é feito a mancheias em clínicas clandestinas, muitas delas em péssimas condições sanitárias, com profissionais que nem sempre são dignos desse nome, resultando não raras vezes no fim não apenas do embrião ou feto, mas também daquela que renuncia a ser mãe. Legalizar, cabe acrescentar, sobretudo se associado a conscientizar, poderia até pr

Crônicas fora de hora – I: “Transgênico ou transgênero?”

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Longe de mim querer brincar com dois temas tão importantes e delicados – e muito menos gerar polêmica logo na primeira daquelas que, espero, sejam uma série de crônicas que, mesmo vez ou outra tratando de assuntos espinhosos, tragam uma dose de leveza e saudável reflexão, entre outros efeitos mentais, intelectuais, emocionais ou sensoriais que possam ser positivos para quem vier a degustá-las (de preferência sem quaisquer consequências antidigestivas). Em parte o título deste texto provém de pequena e compreensível confusão de aluno de um dos cursos que realizei, no qual apresentei uma proposta de redação a respeito de organismos transgênicos (ou geneticamente modificados), tema em alta na época, quando, por outro lado, apenas se começava a falar mais abertamente sobre o conceito de transgênero, hoje em dia assunto muito mais presente na mídia e redes sociais. Mas o que quero mesmo é destacar o que há de transgênico e transgênero no que se chama crônica. Como assim? – é o que provavelm

Cem vezes música

[Texto publicado originalmente, na mesma data, na página pessoal do autor no Facebook:  https://www.facebook.com/mcdest/ ] Quantas músicas houvesse, Tantas músicas eu tocaria Para expressar a música que toca No incessante tocar Das batidas de meu coração... Vínculo entre a vida do espírito e a vida dos sentidos, segundo Beethoven. Aquela sem a qual a vida seria um erro, nas palavras de Nietzsche. A mais alta filosofia em linguagem que a razão não compreende, conforme Schopenhauer. Aquilo que, depois do silêncio, mais é capaz de expressar o inexprimível, na visão de Aldous Huxley. O tipo mais perfeito de arte, que nunca revela o seu último segredo, para Oscar Wilde. O verbo do futuro, de acordo com Victor Hugo. Ou simplesmente a arte do som, como define Osvaldo Lacerda, pianista, compositor e autor do “Compêndio de Teoria Elementar da Música”. Mas é possível definir o indefinível? Tantas poderão ser as definições para o que seja música – belas, profundas, abrangentes, complementares